Na grande maioria das vezes, o pedido de ajuda profissional não se concretiza devido à reduzida gravidade do episódio de doença e, nos casos de maior severidade em que o recurso ao sistema de Saúde não sucede, são principalmente as barreiras financeiras ou geográficas que condicionam a opção do doente.
Em 2023, cerca de 11,26 % dos inquiridos que sofreram um episódio de doença optaram por não utilizar o sistema de Saúde (quase três pontos percentuais inferior ao valor registado em 2022) e, destes, 75,6 % optaram por se automedicar. A diminuição da percentagem de pessoas que opta pela automedicação ocorrida entre 2020 e 2022 inverte-se em 2023, atingindo valores superiores aos registados em 2022 e aos registados no pico do período pandémico (64,2 %).
Quando analisadas as razões para a escolha de automedicação, verifica-se que a experiência com problemas similares no passado é preponderante não só devido à vivência recorrente com certos problemas de saúde (especialmente entre indivíduos com doenças crónicas), mas também devido à existência de medicamentos disponíveis em casa (o que reduz o custo implícito de não procurar auxílio profissional no sistema de saúde).
No entanto, entre 2022 e 2023, a experiência com problemas similares no passado perde relevância na decisão de os indivíduos se automedicarem, tendo decrescida a percentagem: 76,1 % em 2021 e, em 2023, 49,6 %.
Relativamente aos doentes que optam pela automedicação devido à existência de medicamentos disponíveis em casa, verifica-se que em 2022 e 2023 houve um aumento, embora em 2023 tenha sido menos expressivo que em 2022.
Os dados permitem ainda revelar que, em 2023, verificou-se um aumento na percentagem dos indivíduos que escolhem automedicar-se por sugestão de amigos ou familiares devido aos tempos de espera no Serviço Nacional de Saúde (SNS). "A elevada e crescente percentagem de indivíduos que reporta automedicar-se sinaliza que este é um comportamento que deve ser estudado e monitorizado, pelas consequências que pode ter, tanto para a saúde da população, como para a sustentabilidade e eficiência dos cuidados prestados no sistema de saúde", refere o relatório.
Quando analisados os dados relativos aos indivíduos que optam por recorrer ao SNS, verifica-se que não existe uma relação sistemática com o grupo etário, o nível de escolaridade ou o género do inquirido, mostrando apenas o grupo do escalão socioeconómico mais desfavorecido (escalão E) com maior probabilidade de procurar ajuda no sistema de Saúde perante um episódio de doença, facto que poderá estar relacionado com a maior severidade dos problemas de saúde desse grupo socioeconómico.
No que diz respeito aos motivos para a procura de auxílio, os dados analisados permitem aferir uma grande homogeneidade ao longo dos anos, com o aparecimento de um problema inesperado a ser o principal motivo para os cidadãos procurarem cuidados de Saúde (55,3 % em 2023, abaixo do valor médio verificado em 2022, mas em linha com o valor reportado durante o período pandémico). As doenças crónicas surgem como o segundo motivo de recurso ao SNS com 36,8 % dos inquiridos a sinalizarem que a deslocação se concretizou devido a um agravamento ou descompensação da sua doença crónica (em 2022, situava-se nos 24,9 %).
Os dados obtidos permitem ainda verificar que a ocorrência de episódios de doença é fortemente condicionada pelo contexto social. "Em 2023, a probabilidade de uma pessoa com 65 e mais anos ter tido um episódio de doença foi superior a 50 %".
Analisando as barreiras financeiras no acesso a cuidados de Saúde, verifica-se um gradiente socioeconómico, com os indivíduos com maiores carências económicas a registarem uma probabilidade superior de não adquirir todos os medicamentos necessários ao tratamento de um episódio de doença, ou de não irem a uma consulta ou urgência por falta de dinheiro. Apesar da eliminação nos últimos anos da maioria das taxas moderadoras no SNS, as barreiras financeiras no acesso a consultas ou urgências permanecem elevadas.
No relatório, também foi analisada a probabilidade de um individuo ter médico de família atribuído pelo SNS. Os dados mostram um decréscimo (91 % em 2020 face a 80 % em 2023), verificando-se um gradiente socioeconómico, com os indivíduos de escalões socioeconómicos mais desfavorecidos a terem (em 2023) uma menor probabilidade de ter médico de família no SNS do que pessoas de classes socioeconómicas mais favorecidas (facto que não resulta de uma discriminação ativa, mas sim da menor atratividade das unidades de Cuidados de Saúde Primários em zonas de baixos rendimentos da população).
A probabilidade de ter médico de família no setor privado é maior para pessoas que não têm médico de família no SNS (19 %) confirmando que a população tende a considerar a oferta de Cuidados de Saúde Primários no setor privado como um substituto dos cuidados de saúde primários no SNS.
Por último, e atendendo ao contexto de envelhecimento populacional em Portugal, os dados recolhidos e analisados desvendam que, entre 2017 e 2023, registou-se um aumento na probabilidade de se ser doente crónico, tendo este aumento sido particularmente pronunciado em indivíduos com idades compreendidas entre os 60 e os 69 anos e nas mulheres.
Apesar do crescimento deste indicador no grupo das mulheres, verifica-se uma diminuição das barreiras no acesso a consultas e urgências neste grupo populacional, o que sugere que, pelo menos em parte, o sistema de Saúde está a conseguir dar resposta às necessidades acrescidas de cuidados de saúde das mulheres nesta faixa etária.
O relatório "Acesso a Cuidados de Saúde 2023", da autoria dos investigadores Carolina Santos e Pedro Pita Barros, foi feito no âmbito da Iniciativa para a Equidade Social, uma parceria entre a Fundação ‘la Caixa’, o BPI e a Nova SBE.